Dec 6, 2005

bahia de são salvador...


... existe ainda um sentimento pouco familiar na minha relação com salvador... não me leve a mal - esse lugar mexeu comigo, desde que vim aqui pela primeira vez, pouco menos de um ano atrás. A bagunça harmoniosa que é a praia e a cidade, o jeito relaxado de se levar tudo, o antigo não se deixando derrubar pelo inevitável novo, as pessoas - acima de tudo, as pessoas, o jeito de se relacionar... sorria, voce está na bahia!... deve ser bem por aí, mesmo...... mas ainda assim, voltando de uma de minhas incessantes idas à imobiliária, me bateu, bem de sopetão: bahia??? que porra estou eu fazendo aqui??? - bem assim mesmo... fiquei um pouco desnordesteado, não entendi nada... fruto, em grande parte, da frustração que foi minha viagem, no que diz respeito a ter um lugar em salvador... já me desacostumei com a burocracia brasileira, que tende a ser um pouco mais caprichosa nestas bandas de cá... sorria, voce está na bahia! - mais um vez, ouvindo a explicação de tudo... engraçado que aqui se usa isso pra explicar as coisas boas e ruins... ying e yang, I guess... e nessa frustração, me bateu a dúvida, a perplexidade do que estava fazendo... fui, aos poucos e de repente, jogado de volta à minha infância... meu vô por parte de pai, o militaríssimo vô ribeiro, era uma dessas figuras de filme, quase caricatura ambulante - um super enigma pra mim... nunca tive a sensação de vô, vindo dele...o que é de se estranhar, já que o pai de minha mãe morreu logo depois que ela nasceu - pelo que dizem, super parecido comigo... (ou eu com ele, para ser mais preciso)... e o vô ribeiro não era uma pessoa má, de forma alguma - ele era super doce, e até engraçado, de certa forma... mas acho que ser militar não era apenas um emprego - era uma filosofia de vida, que ele levou até o final... isso me deixou um pouco distante da relação vô-neto... eu me lembro que quando ele chegava em casa, primeiro eu subia, e me escondia em meu quarto, antes dele entrar... e ficava ouvindo a voz de todos, quase como me acostumando mais uma vez com aquela presença tão forte e indecifrável ao mesmo tempo... depois, sem nem eu mesmo saber porque, descia, falava oi, já sem muitos grilos, sem cerimônia... parte do meu ritual de garoto, eu acho... mas uma coisa que eu me lembro como se tivesse acontecido hoje de manhã, era de como ele sempre (sempre, sem exceção!) dizia 'oi', e logo depois perguntava: "voce já foi à bahia?"... não me lembro qual era a resposta dele ao meu perene não, mas era a pergunta que me deixava intrigado... bahia?? ninguém vai pra bahia! as pessoas vem da bahia!... lembro-me dele ficando doente, quase entregando os pontos, só pra então melhorar milagrosamente, fazer a via sacra - visitar toda a familia, um por um, para se despedir - e depois de ter passado pela nossa casa, falecer... feliz, eu acho... lembro-me bem dele chorando ao dizer adeus pra minha irmã mara... ninguem entendia direito, ele tinha realmente melhorado, não tinha porque imaginar que ele só tinha poucos dias de vida... foi então que pela última vez, ele me perguntou: "voce já foi à bahia?" - e eu, ainda não sabendo o que pensar, depois de ver ele chorar, disse que não... e dessa resposta eu me lembro: "pois vá! Não se esqueça, vá pra bahia..." - nunca mais pensei nisso... Mas depois desse dia de semi-epiphany que tive ao caminhar de volta pra praia da barra, tentei imaginar o que aconteceu com ele, quando jovem, na bahia... que bahia que ele realmente encontrou... já faz 30 anos que ele me perguntou isso pela última vez... deve ter sido uma bahia de 70 anos atrás... ... passo pelo morro do gavazza... minha imaginação nessa altura está a mil, super solta... paro para perguntar sobre o apartamento que está sendo construído, e descubro que os vizinhos do sol nascente do novo prédio são militares... "Uma base da Marinha!", disse Seu Carlito, estufando o peito... senti que me respondeu com um certo orgulho, mas não quis saber porque... estava ainda mergulhado nas memórias de tres décadas atrás... será que Seu Ribeiro vinha muito no morro da Gavazza?... imaginei se era uma adoração pela natureza, pelas praias... poder ver o sol nascer e se pôr no mar, na mesma cidade, coisa que até pouco tempo era façanha de Pequeno Príncipe, para mim... ou será que foi pelas raineides disfarçadas de michelles da vida, que se impressionavam com seu uniforme, e se atiravam em seus bracos? Não sei nada sobre meu vô, me acudam!... sei que ele mastigava engraçado, e que só tomava café com adoçante, coisa que eu não conseguia entender... e que sofria muito nas mãos de minha avó... e que eu corri muito com minha irmã mais nova e uma prima, no velório dele... na base militar, com todas as honras... sei que ele não se importava, acho que foi o que senti quando ele veio se despedir...então não me preocupei em manter a pose, que mesmo quando criança eu soube fazer muito bem... mas não me lembro de mais nada...
vô ribeiro... eu estou na bahia!!! me conta tudo!!!....
(escrito dia 16.sep.2003, quando eu saía de salvador)

Dec 1, 2005