Feb 6, 2006

perfil de uma amiga

Laélia Oyama apareceu na minha vida através do Helinho - engraçado, eu raramente me lembro disso. Ela era amiga da ex-mulher dele, que veio pra NYC à trabalho. Na época (dezembro de 93) um amigo do pai dela ofereceu um emprego aqui em New York - da mesma forma que a gente fala "passa lá em casa". Não é pra passar. É "ciao!". Ela veio, e o emprego não existia. Desesperada, fui "achado" pelo helinho pra ajudar. E ajudei. Arranjei um emprego, e por pouco ela não veio morar comigo - esse pouco chamado "Case", um holandês que morou 4 anos no Brasil. Eles se conheceram na semana seguinte que nós nos conhecemos, e no dia seguinte ela já tava morando no apartamento dele...

Alguns meses depois, Case se mudou de NY pra Santo Domingo, na Republica Dominicana... eu acho que foi por volta de maio de 94... duas semanas depois, como combinado, Laélia foi atrás dele... e foi no aeroporto JFK a última vez que nos vimos...

... mas ela insiste... sempre insistiu... desde então, moraram em Santo Domingo, na Indonésia (ou algum lugar por lá), Chicago, Brasil, San Francisco... e ela sempre achava um jeito de se comunicar, primeiro por telefone, e depois por aqui, via email... se não fosse por ela, nós não teríamos mantido contato, eu tenho certeza disso...

Os dois se casaram... laélia tem uns 4 anos a mais que eu, Case (acho) uns 12 a mais que ela... não conheço o case - falei com ele algumas vezes, mas sempre tive a impressão de ser apaixonado por ela...

... até que ela ficou doente... várias coisas - entre elas síndrome do pânico, e tudo que resulta disso... acho que começou por volta de uns 6 anos atrás... laélia me ligava, contando que acordava no meio da noite e ia se esconder no armário... não assiste tv desde 2000, não consegue ouvir música, não sai sem óculos escuros... foge das pessoas, de todos... e o case sempre do lado dela... tenho o maior respeito por ele, sei de pessoas que por muito menos desistem...

... em 2004, fui chamado pra trabalhar com thalia (quem?) - pois é, foi minha reação... não sabia quem era - e mesmo depois de saber, ainda não sabia. Mas um amigo me pediu pra cobrir por ele por umas duas semanas, e eu fui... no meio dessa gig, eu em El Paso, Texas, o telefone toca, e é o Case - estranho. O case morre de ciúmes da laélia, não podia ser coisa boa, ele me ligando... "mauro? é o case (ele fala portugues quase perfeito) - eu queria que voce ligasse pra laélia... ela acordou sem lembrar de ninguém, dos amigos, e sem saber falar portugues..." - sem falar portugues? O inglês dela sempre foi devagar - culpa do comodismo que era conversar com o case em portugues... "pelo menos ela não esqueceu o ingles e portugues!" pensei comigo mesmo, tentando imaginar como seria conversar com a laélia em japones... Bom, liguei. Nem posso descrever como é difícil conversar com alguém que se conhece a tanto tempo, e não poder usar nada (nada!) como referência... "então, eu voltei agora da europa..." - e ela "europa? foi fazer o que lá?" e eu "trabalhar com a me'shell" - "quem é essa??"... e por aí vai...

... foi difícil... e sempre que eu conversava com a laélia, precisava separar pelo menos uma hora no telefone - as conversas eram lentras, e o ingles que era pouco não ajudava - metade da conversa era explicar o que eu estava explicando, e ela ficava frustrada, e reclamava, mas queria conversar...

... no meio do ano passado, ela me ligou toda feliz, dizendo que se lembrava de mim, e da amiga dela de sao paulo... já estava morando no Brasil de novo, esperando o Case arrumar a casa na Republica Dominicana mais uma vez... nessas, ela me diz: "queria comprar uma arma pra me matar... mas tenho medo de pegar onibus pra ir até a favela"... e eu tirando sarro dela "mas vai se matar e tem medo de ir comprar a arma? medo de que, de ser assaltada, e te matarem??"... tentando tirar o peso do que ela tinha acabado de falar... e ela "não, o meu medo é diferente, é da síndrome do pânico..." - eu sabia disso, mas precisava dizer alguma coisa, e foi tudo o que saiu...

Por volta de agosto, ela foi morar com o case em Santo Domingo... me ligou algumas vezes, desesperada... não sabia o que fazer, não sentia nada melhorar... puro medo mesmo...

... dia 25 de setembro, domingo, ela me ligou... e eu não atendi - como disse, sempre preciso reservar uma hora pelo menos pra conversar com ela - se fosse de outro jeito, ela ficava chateada, se frustrava, ficava insegura... eu preferia não atender quando era assim...

... e não atendi... na segunda, recebi um email quase ininteligível (o ingles escrito de laélia chegava a ser pior que o falado - e embora ela tivesse lembrado dos amigos, não falava portugues) - basicamente pedindo pra que eu me casasse com ela. Sei do que se tratava - ela queria voltar a morar aqui de qualquer jeito, e só o greencard tornaria isso possível. Disse "não responda por email, o case tem minha senha - eu te ligo amanhã depois das 11 da manhã". Essa parte eu não entedi. Achei que o casamento fosse pra permitir que os dois viessem morar aqui - laélia era apaixonadíssima pelo case.

Na terça, ela não ligou...

nem na quarta... à noite, quem ligou foi o case, perguntando quem era. E eu "é o mauro" - e ele "mauro! estou ligando pra todos os numeros que a laélia ligou - peguei essa informação com a polícia. A laélia desapareceu na segunda feira, ninguem sabe onde ela está..." e eu disse que não sabia de nada, que ela ligou mas eu nao tinha atendido, que achei que ela ligaria no dia seguinte...

... alguns dias depois eu descobri pela Mona que ela tinha ido pra um hotelzinho, e tomado todos os remédios que ela tinha de uma vez (remédios fortíssimos)... e que entre segunda à noite e terça de manha laélia tinha falecido por overdose...

... eu não conhecia a laélia... sei muito pouco dela - sei que gostava de Crash Test Dummies (ou uma das músicas deles, hmm hmmm hmmmm), que achava quem usava birkenstocks um bando de idiotas, e que não gostava de morar no Brasil, na Republica Dominicana e em San Francisco... que queria ser mãe, que era impaciente, e que... acho que isso, só... mas a laélia era minha amiga - alguém que gostava de mim de uma forma difícil de entender - que deu a volta ao mundo algumas vezes, e não deixou esse vínculo se perder... brindo à minha amiga - que soube tomar conta de mim mais do que eu soube tomar conta dela... me perdoa, amiga!
um beijo grande... saudades...
mauro

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